Para ler e preparar a apresentação para a aula de 4/10/2018.
Tempo de ouvir o ‘outro’ enquanto o “outro” existe, antes que haja só o outro... Ou pré - manifesto neo-animista
…… fazendo eu parte, cívica, emotiva e intelectualmente, da
categoria geral do OUTRO em relação à Europa, também por outro lado a
questão do OUTRO, e dadas as condições fenotípicas e de origem que me
assistem, tem feito sempre parte da minha experiência existencial e
pessoal dentro do próprio contexto, africano e angolano, em que venho
exercendo a vida e ofício…… isso me tem levado, para poder ver se
consigo entender o mundo e entender-me nele e com ele, a identificar e a
reconhecer uma multiplicidade de OUTROS…….. no presente caso retive
apenas três categorias de OUTRO, que são as que me parecem capazes de
permitir-me tentar expor o que poderei ter para dizer aqui……….
…..considerarei aqui como
OUTRO, sublinhado ou em itálico,
os indivíduos e os grupos, muitos deles já nascidos ou constituídos no
territórios das ex-metrópoles a partir de genitores ex-colonizados ou
provenientes de ex-colónias e que hoje integram, de pleno direito
estatutário, as populações nacionais dessas mesmas ex-metrópoles embora
reconhecidos como diferentes da massa dominante através de traços
fenotípicos ou culturais……… como ‘OUTRO’, entre apóstrofos, o
ex-colonizado ocidentalizado com que o ocidente lida nos contextos das
ex-colónias…….. e finalmente como “OUTRO”, entre aspas, aquele sujeito
marcado por traços afetos a populações que, integradas embora como
nacionais em estados-nação que hoje existem a partir de contornos
ex-coloniais, mantêm usos, praticas e comportamentos mais afins a
quadros pré-coloniais do que pós-coloniais ou mais ou menos
ocidentalizados…….. quer dizer, subsiste aí, em muitos casos, um
“outro” não, ou ainda não completamente, ocidentalizado
……. . o
qual no decurso de um presente que é também o nosso, continua a ser
objeto, evidentemente, de uma pressão ocidentalizante que acaba por ser a
marca dominante do seu comum dia a dia de pessoas que à luz dos
proclamados direitos do homem valem tanto como quaisquer outras pessoas
no mundo……….
……só que a sua situação e a sua condição se revelam tão diferenciadas
nos contextos nacionais em que subsistem, que da mesma maneira que aqui
na Europa, onde estou agora a falar, as ex-metrópoles parece não
saberem muito bem às vezes o que fazer com o
outro, em itálico, que
vem ao mundo em território seu, também o ‘outro’, entre apóstrofos, que
gere os territórios das ex-colónias, parece também por seu lado ter
dificuldade em saber o que fazer com esse “outro”, plenamente
entre aspas………
………. este será, em meu entender, um dos problemas, um dos impasses
colocados ao mundo de hoje pelo processo histórico que veio a
configurá-lo e continua a dinamizá-lo tal como ele hoje existe, e é
evidente que estou a falar da expansão ocidental como ela se tem
desenvolvido e mantém em curso……………..
**
……… outros problemas porém, muitos dos quais, de novo em meu
entender, acabam por constituir-se ou configurar-se como impasses,
assistem ao mundo de hoje na decorrência, precisamente, e insisto, da
expansão ocidental e do lugar que a matriz ocidental de civilização
acabou por impor ao mundo inteiro………. de um modo tal, aliás, que as
evidências de uma situação assim não deixam de suceder-se e impor-se
cada vez com mais premência, como está acontecendo exatamente neste
preciso momento com a crise financeira que o mundo está enfrentando……….
parece que o mundo ocidental, e ocidentalizado, não pode decididamente
ignorar mais a necessidade urgente de fazer alguma de inédito por si
mesmo………. do que nestas últimas semanas tenho insistentemente ouvido a
tal respeito, retenho apenas que todos as instituições e os governos
ocidentais chamados a pronunciar-se sobre a crise em presença se viram
perante a necessidade de afirmar que as suas atuais preocupações
dominantes com a finança não devem nem podem ofuscar, nem preterir, nem
retardar a preocupação vital e global com a saúde, a preservação e
salvação ambiental do planeta………. e mais ainda que os
develloping countries,
que não são exatamente aqueles que mais imediatamente são convocados
para encarar a crise do mundo geral, ocidental e ocidentalizado, exigem
ser ouvidos quanto antes……..
………… e é aqui que me ocorre formular a seguinte pergunta: sendo que o
mundo global reconhece ter de fazer imperativamente alguma coisa por si
mesmo em relação à sorte global do globo, sendo que as vozes emergentes
terão obrigatoriamente de ser ouvidas, não seria talvez então também já
agora altura de atender ao que toda a espécie de vozes que o mundo
ainda comporta poderá ter eventualmente a dizer no interesse talvez de
todos? …………. mesmo as vozes daquele “outro” que eu aqui identifico
envolvido entre cerradas aspas ?………que podemos viver sem ele, recorrendo
ao mote deste encontro, talvez possamos, até porque ele vai
inexoravelmente desaparecer, mas não seria pertinente, para o debate e
para a sorte do mundo, tentar ou ensaiar ouvi-lo ainda, enquanto
existe ?………
**
………… estou a sair da Namíbia onde de há cinco meses a esta parte
tenho usufruído do luxo de poder dedicar-me exclusivamente a um livro
que estou escrevendo ……….. é um livro de meia-ficção, na sequência de
outros em que tenho tentado essa modalidade, e cuja ação se desenvolve
em grande parte no sudoeste de Angola e no noroeste da Namíbia, onde
subsistem precisamente populações que eu posso identificar com o tal
OUTRO absoluto que tenho vindo a referir….. quando recebi lá o convite
para participar neste encontro acedi sem grande hesitação porque em meu
entender me via colocado uma vez mais numa situação em que a realidade
vem ao encontro da ficção e poderia de alguma forma integrar o estar
agora aqui no programa que me tinha anteriormente imposto e via assim
interrompido………. na trama do enredo que tenho vindo tratando nesse
livro em curso, dois dos seus personagens concebem a certa altura poder
ter para propor ao mundo, a partir das cosmologias e das cosmogonias
locais, australo-africanas, para o caso, a figura de um herói tutelar
perfeitamente adequado às preocupações, às aflições e às urgências que
parecem impor ao mundo em que vivemos uma resposta pronta, eficaz,
adequada e no entanto bem difícil de conjeturar ou conceber porque essas
preocupações, aflições e urgências decorrem afinal de pressupostos e de
dinâmicas que o mundo moderno, ao mesmo tempo, parece pouco disposto a
por em causa………….
……… o herói em questão dá pelo nome de Nambalisita, e é figura de
grande estatura no imaginário e na expressões das populações da região a
que me referi e que também costumo identificar como mancha clânica
pastoril do sudoeste da África, constituída sobretudo por populações
herero, ovambo e nyaneka …….. Nambalisita, com quem eu lido de muito
perto desde que há mais de um quarto de século rodei um filme chamado
Nelisita, é aquele que se gerou a si mesmo…… ele nasce de um ovo
auto-fecundado……. e contra o mal e os maus e os desconcertos do mundo,
Nambalisita faz apelo aos animais todos da criação, seus irmãos, os
seus rapazes, e até mesmo à criação inteira………
………. só que, sabem os personagens do meu livro muito bem, não será
fácil propor um herói desses ao mundo ocidental e ocidentalizado que
detém as rédeas do mundo e dos seus destinos…. Nambalisita emerge de uma
matriz cosmogónica e cosmológica que não é a que conferiu ao ocidente o
poder para vir a ocupar o lugar que hoje ocupa no mundo
globalizado……….. enquanto para nós aqui, nesta borda da África, refere
um desses personagens,
para a nossa maneira de ver as coisas
a
tudo quanto é vivo assiste uma alma igual que afinal cada ser vivo,
seja ele pessoa, hiena ou lagartixa, exprime, vivendo, conforme o corpo
de que dispõe, para os brancos e para aqueles que os brancos
converteram, domesticaram à maneira deles, é tão só o corpo que
identifica o homem enquanto animal, porque o que o que constitui como
homem é ter uma alma de que o resto da criação não dispõe…….. é essa a
expressão da razão, da arrogância e da soberba invasora……… ela coloca o
homem fora da condição biológica como se ele estivesse a salvo de tal
baixeza e partilhasse com deus, só ele e não o resto da criação toda, da
condição divina……….. o homem no centro do universo e a servir de medida
a tudo, até a deus……. antropoformização de tudo, mesmo de deus…….. o
divino configurado como um deus branco de barbas brancas………….. tudo
domesticado segundo um modelo que previa até o selvagem que nós seríamos
aqui, um meio-humano que só tem acesso ao patamar da humanidade, só é
verdadeiramente humano, quando aferido em relação não à medida do resto
da criação no mundo, mas à da maneira de certos homens que têm uma
versão do mundo e da vida que impõem aos outros, e armas, meios e
dispositivos para tirar benefício disso……. o universo feito para uso
deles e, em nome de deus e da civilização, autorizados a converter
entretanto o mundo todo, divino, humano, animado e inanimado, às suas
maneiras, à sua maneira……….. uma maneira, a do paradigma que cobriu a
expansão ocidental, portanto, que não pecava afinal por sobreestimar as
pessoas……… não as colocava mas é tão alto quanto lhes cabe…….. porque
mesmo depois de ter chegado o tempo das descolonizações e da entrega
das soberanias locais aos ocidentalizados que provinham das populações
indígenas anteriormente encontradas, o que de facto aconteceu foi
legar-lhes, sem nação ou arranjo pluri-nacional, uma herança envenenada
de estados modernos definidos por fronteiras políticas coloniais
historicamente recentes e alheias aos diferentes e muitas vezes
distintos grupos ou sociedades envolvidos ou retalhados……….. e
exigiu-se-lhes de pronto o desempenho de estados-nação num mundo
universal onde as regionalides dominantes em vias de consumação no
quadro político das globalidades operam, ao mesmo tempo, no sentido de
se desembaraçarem dessa figura política de estado-nação, como está
acontecendo por exemplo com a Comunidade Europeia……….
……..só uma grande volta paradigmática, portanto, acrescenta então
outro personagem plenamente ao corrente das terminologias ocidentais…………
paradigmática e verdadeiramente pragmática……. mas que não contemplasse
esses pragmatismos oportunistas e cínicos em que a categoria do
necessário e do vantajoso substituiu completamente a do possível e
consistem em não conseguir encarar nada sem fazer logo as contas do
beneficio parcial que a situação inspira e não olhar para o mundo senão
em função disso ……..
……. da mesma maneira que seria necessário ter em conta que a uma tal
volta paradigmática não bastaria admitir que o “OUTRO” pudesse ser
capaz de ver os fenómenos e o mundo e avaliá-los e equacioná-los e
aproveitar-se deles segundo as suas razões e os seus interesses, como
faz o ocidental…. isso não é volta paradigmática nenhuma, é uma questão
de bom senso……… volta paradigmática será admitir, e
reconhecer, que alguém, mesmo sendo o “OUTRO”, pensando de uma maneira
radicalmente diferente, possa conseguir ver certas coisas e certos
fenómenos de uma maneira melhor e mais adequada à efetiva configuração
do mundo, e que os ocidentais e os ocidentalizados, nesse caso, é que
teriam a aprender com o “OUTRO”, e que isso acabaria por convir a
todos……….. uma volta, assim, que permitisse, perante os impasses que a
expansão e a imposição do paradigma ocidental produz no mundo inteiro –
inclusive nessas partes do mundo de onde ele saiu porque estão agora a
contas com o troco, que são os filhos dos ex-colonizados, que estão a
nascer lá – , permitisse ao próprio saber ocidental achar ser tempo de
prestar uma atenção diferente aos chamados discursos arcaicos, dar-se a
uma contra-descoberta, por assim dizer, daqueles que antes foram
descobertos pelas caravelas……… o que talvez, na linguagem dos
especialistas, pudesse ser formulado dizendo que seria tempo de ouvir o
‘outro’ enquanto o “outro” ainda existe, antes que haja só o
outro, o tal imprevisível mestiço universal que o tempo se encarregará de produzir………
………. é isto que os meus personagens dizem no livro que estou a
escrever e interrompi para poder estar agora aqui……… esse livro virá a
esta à disposição de todos dentro de algum tempo, e só vou deter-me
agora aqui num dos aspectos que enunciei : ouvir ainda esse “OUTRO”
enquanto ele ainda existe……. ainda existe mesmo ?………..
**
……existe ainda sim, em certas partes do mundo como aquela de onde
estou a sair e me mobiliza de há décadas a esta parte a atenção total………
e se me empenho agora aqui em fazer campanha para que esse “outro”
seja ainda tido em conta e ouvido não é tanto porque entenda que devemos
ir todos escutar atentamente o que os mais-velhos de lá poderão ter
ainda para dizer e para nos ensinar…….. a minha experiência de
antropólogo leva-me a encarar com a maior prudência o que os mais velhos
de hoje poderão vir a dizer aos que os abordam para interrogá-los………
dizem exatamente aquilo que muito pragmaticamente entendem que lhes
convém que os outros ouçam, como acontece seja com quem for em qualquer
parte do mundo……… será antes imperativo, em meu entender, ter essas
populações em conta porque elas ainda hoje, neste preciso momento,
continuam a ser alvo de uma violentação, de uma lesão, que lhes é
imposta pela expansão ocidental ainda em curso e acionada tanto por
ocidentais estrangeiros como por ocidentalizados compatriotas seus…….
…….não estou aqui mandatado por ninguém para falar em nome seja de
quem for……. falo por mim………. não defendo nenhuma causa, assumo uma
questão que diz respeito à minha própria razão de existir……… mas não
posso deixar de referir, quando sou chamado a pronunciar-me acerca de
questões que se reportam ao lugar do OUTRO, de que forma me aflige, para
não dizer de outra maneira, ver populações que eram assediadas antes
por agentes da ocidentalização impondo-lhes assumir os sinais e as
maneiras do modelo ocidental e do progresso tecnológico e que são
assediadas hoje pelos mesmos agentes ou equivalentes que agora pretendem
impor-lhes a preservação dos sinais e as maneiras dos seus modelos
arcaicos e não-ocidentais porque isso passou a insinuar-se como o mais
rentável tanto para uns como para os outros desde que se deixem integrar
em menus de programas turísticos e se deixem representar como
expressões de um exótico ecológico e redentor ao lado de outras atrações
bizarras como manadas de zebras, de elefantes e de gazelas………….
….não me perguntem que soluções proponho para problemas desta
ordem……..não sou nem político, nem profeta, nem militante seja do que
for……… mas terão certamente o direito de perguntar-me aonde quero
chegar se não tenho propostas para salvar o “OUTRO” e todavia ainda
assim convido a que esse outro seja tido em consideração e ouvido embora
também não proponha que vão lá ouvir o que os mais-velhos poderão ter
para ensinar………. que tipo de ação ou de atitude me leva ainda assim a
pretender reter-vos a atenção ?……..
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……o que eu proponho é bem simples e ao alcance de interessados e de
profissionais susceptíveis de ser congregados à volta de questões desta
natureza…………. não é ter um caminho a propor……. é antes ter algumas
idéias para uma eventual hipótese de poder vir a ajudar a encontrar
maneira de achar um caminho……. admitir uma possível perturbação,
reconfiguração ou mesmo substituição prospectiva, pragmática e
programática do paradigma cosmogónico, cognitivo, institucional e
político ocidental / global / universal, recorrendo a outros quadros
paradigmáticos…… não se trataria de introduzir qualquer espécie de
remedeio, de compensação ou de arranjo nos terrenos do paradigma
humanista, mas antes de tentar configurar, ou reconfigurar, um novo
paradigma………….. no âmbito desta proposta a hipótese apenas seria
encarada a partir e através da identificação, da convocação e da
possível integração de dados provenientes de outros quadros de
concepção, cognição, representação e ação afins a géneses africanas e
outras…… não se trataria seguramente de tentar suster a mudança mas de
convocar outros saberes, outras visões, outras maneiras, outras
hipóteses de mudança para além da que é imposta pelo programa
ocidental…….. nem se trataria de visar a substituição de um paradigma
por outro ou de propor um melhor que o outro ……… mas alvitrar apenas
alguma ação que soubesse extrair do que se sabe, e de todos os meios e
expressões, alguma maneira melhor de lidar com toda a ordem de impasses
sem estar a criar sempre novos impasses civilizacionais, acrescentando
novos impasses a toda a ordem deles…
…….voltando à proposta, pois: não será eventualmente possível
encarar a hipótese de poder extrair de outros quadros paradigmáticos
que não o do humanismo ocidental algo que venha ao encontro do próprio
interesse global irreversivelmente marcado e conduzido pelo modelo que o
ocidente impôs ao mundo inteiro e continua em expansão ?…………
………….. mas então se o meu programa não passa por ir muito
voluntariosa, folclórica e militantemente ouvir o que os mais-velhos
poderão ter para ensinar, passará por quê então ? …… poderá talvez
passar muito ortodoxa e academicamente, e será esse o meu sucinto e
singelo e discreto programa, por ir ver o que a própria expansão
ocidental terá produzido como registo sobre o “outro”………. uma releitura,
uma revisita, portanto, daquilo que existe escrito……… mas não uma
releitura crítica clássica………… procurando antes tentar descortinar e
extrair o que poderá estar por detrás dos documentos etnográficos que
foram utilizados, se existirem, ou dos textos produzidos sem que os seus
autores tivesses em conta a hipótese de poder existir qualquer outro
paradigma susceptível de merecer alguma consideração……. uma releitura,
portanto, que ensaiasse agora outra perspectiva, uma perspectiva,
precisamente, que tivesse em conta outras maneiras de o homem ver a sua
relação com o resto da criação, que conferisse, assim, uma importância e
uma pertinência diferentes a paradigmas outros que não o paradigma
humanista ocidental que se impôs, dominou, e impera a partir daí em
exclusividade……….. que tivesse até em conta que esta seria, talvez, uma
oportunidade inovadora garantida aos intelectuais ocidentalizados,
outros e ‘outros’, saídos tanto do campo do ‘outro’ como do do
outro, e
chamados sempre, sem alternativa, a situar a sua afirmação e o seu
desempenho nos terrenos e nas arenas do exercício dos saberes e dos
poderes de matriz ocidental……… poderiam assim talvez finalmente
intervir de uma maneira que lhes evitasse ceder ao folclore de fantasias
autenticistas ou renascentistas e a coloboracionismos étnico-turísticos
e nos abrisse enfim uma via para reivindicar para nós mesmos, também, o
direito à exigência……….. há muito tempo que me atrevo a dizer que a
intelectualidade científica dominante só nos respeitará mesmo quando se
vir obrigada a incorporar na ciência global alguma coisa que saia de
uma matriz inequivocamente nossa…………
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…..o programa que eu então me atreveria a sugerir aqui, sem saber
muito bem a quem propô-lo, seria o de encarar uma ação que partisse de
imediato para uma releitura geral de tudo quanto está registado sobre o
saber do Outro, sobre saberes Outros, à luz da hipótese de poder admitir
a existência e a eventual pertinência de paradigmas outros para aferir a
relação das pessoas com o resto da criação, sem deixar também, logo à
partida, de ter igualmente em conta todas as ofensivas anti-humanistas
que o próprio paradigma humanista terá gerado ao longo da sua própria
história e o que estará, está de facto, entretanto neste momento a ser
feito em relação ao mesmo objetivo ainda que formulado de
outra maneira………
……..um programa, portanto, que viesse ao encontro das preocupações,
dos problemas, dos impasses do mundo atual mas que visasse muito para
além das démarches salvacionistas e socorristas das militâncias que
vemos em curso e afinal não conseguem pôr sistema nenhum, por mais
lesivo que ele se tenha já revelado, em causa……. que visasse antes uma
volta tão absoluta na maneira de olhar para o mundo que ela viesse a
constituir um salto quântico, uma mutação, um clinamen capaz de inspirar
um quadro de relações do homem com o resto da criação e com o mundo em
geral muito diferentes daquelas que o programa humanista desenhou para
o futuro do mundo, a ponto de lhe estar agora a perturbar o presente de
uma maneira que assusta a todos……….. que reapontasse a práticas
diferentes que até talvez acabassem por convir a todos, mesmo àqueles
que só querem é tirar proveito do domínio de tudo…………. um programa,
enfim, que quanto mais não fosse criasse a possibilidade de autorizar
que alguém pudesse ensaiar, experimentar, tentar, ver o que poderá
talvez esclarecer-se dentro do que é imediatamente possível averiguar
sem fazer muito barulho nem gastar muito dinheiro…………… permitisse tão-só
talvez, sei lá, colocar alguns estudiosos a rever ao menos tudo o que
está fixado, recolhido, escrito sobre as culturas outras…… novas leitura
que permitissem novas extrações a partir dos mesmos materiais……… não
haverá nada desprezado antes mas a extrair agora do paradigma animista,
por exemplo, conforme as novas visões, as novas questões e os novos
interesses que se impõem neste momento ao mundo ?……… talvez assim os
personagens do livro que ando escrevendo encontrassem então terreno
propício para propor o seu herói tutelar, esse Nambalisita herói
ecológico e da alma comum que é homem e herói fora da condição humanista
e de uma genealogia divina que até agora só foi dizendo respeito aos
homens de certas cores e de certa cultura e lhes foi conferindo
autoridade e legitimidade para irem controlando e regulando tudo, a
criação inteira, incluindo os homens de outras cores…….
….e talvez eu viesse então finalmente a encontrar fundamentos para
formular em definitivo aquilo que ando a visar e a prometer há muito :
um manifesto neo-animista proposto ao mundo inteiro como uma das vias da
tal volta paradigmática e pragmática capaz de conferir lugar e sentido a
todas as existências, divinas, biológicas e minerais até………
Intervenção na Conferência da Gulbenkian a 27 /10/2008, Podemos viver sem o outro?, vários autores, Tinta da China/Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, republicado no BUALA