quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Janela para o Oriente, Edward White



Edward White, Janela para o Oriente, Lisboa: Caminho, 1999 


(Excertos)

Tenho uma janela amarela virada para Oriente. Docemente e sem assombro. Todos os dias me sento defronte dela para a olhar. E o vento que a bate faz-me um incêndio para escrever, desce devagar a rampa por onde a vou saltar. Minha e sem fim esta natureza fresca dos seus vidros, a luz que por ela é uma magia tão puríssima. Tenho a janela num quarto que amo, unido como o sangue verde do vale que dela eu vejo, dos livros fechados em seus destinos, dos jornais aos montes e sem notícias. O ar deste quarto está de sorrisos e de surpresas, de desgostos que irão viver, cheio de lugares que ainda não sou. Oiço músicas dentro dele, caladas e brancas de repente, oiço cores incessantes e um poeta que pressinto esteja a morrer. Leio as palavras que o são. Frias. Concretas. Óbvias e desertas. E a morte é um murmúrio por detrás de tudo o que gritam sem dizer. Um sibilar envenenado e arrepiante, um voar rasante e precipitante. A morte desenha-lhe as mãos que daqui posso ver a tremerem. E, por isso, fica o quarto mais cinzento, mais frio, severo como a pedra num deus. (pp.13-14)
[…] 

Levanto-me.
Vou supor-me a resistir. Lentamente até fugir. 
Descubro corridas as cortinas das janelas deste quarto virado para Oriente. Afasto-as, e os olhos navegam pelos telhados das casas lá em baixo. São inúmeras e quadradas. Unidas como se quisessem cuidados umas das outras. Talvez por dentro nem transpirem assim tanta solidariedade. Mas eu penso nas presenças que as tornam vivas e humanas, nas conversas que esconderão, nas crianças debruçadas para o beijo ou para a música, as refeições acesas pelos fogões. Afinal, hoje é domingo e toda a gente é um horizonte de si. Estão felizes com certeza, e se não estão tentam, por decerto terem pouco do que rir noutros dias. O domingo é quase tétrico de nos vermos tão nitidamente. É, no fundo, como a morte onde se prevê aquele poeta. (pp.15-16)
[…] 

Ai, meu grande e belo Médio Oriente de onde vejo África das suas janelas e oiço rugir uma fera nas savanas de Moçambique. Ali que é para onde devo ir. 
Definitivamente regressar. 
Nada nos é belo se for demasiadamente claro. Nada interessará. 
Portanto, arrumo, aqui, as ferramentas deste trabalho, desta paixão que tenho pelas visões que encerro, pelo motor que as leva à minuciosa observação dos espaços. E ainda assim sinto que me pesa tanto inconhecimento, tanta denotada fragilidade. Eu nada sabia desta remota possibilidade, deste lírico fervor que guardo pela imaginação. Gostaria imenso de falar-me disto, destas alegrias pacientes de que sou um exímio fazedor. Como sucedo que olho para o que a pensar direi melhor. (pp.77-78)

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Edward Said: Cultura e Imperialismo



Imagens e construções preciosamente guardadas e codificadas ao longo dos anos em inumeráveis romances, poemas, livros de viagens, documentos de pesquisa, etc., foram interiorizadas pelos próprios orientais – muitos dos quais se adaptam agora às expectativas que os ocidentais têm sobre eles. Na introdução deste estudo, Said fala-nos sobre estereótipos que permaneceram e através dos quais nós vemos o Oriente como fonte de mistério.


Estudos Culturais

Origens e desenvolvimento dos Estudos Culturais: preliminares britânicas, a Escola e Birmingham e a internacionalização.
- Conceitos-chave nos estudos culturais: ideologia, hegemonia, estrutura de sentimento, cultura popular e identidade cultural;
- Género e raça no pensamento sobre cultura;
- Media, recepção e cultura mediática: a comunicação social ganha espaço nos estudos culturais;
- Temas contemporâneos nos estudos culturais: pós-modernidade, globalização, hibridismo, pós-colonianismo, multiculturalismo;
- A contribuição latino-americana a partir dos anos 1980: mediações, hibridismo, consumo, comunicação;
- Estudos culturais e pesquisa em comunicação.



terça-feira, 10 de outubro de 2017

Lugar de fala e produção da diferença: a noção de verdade e visão universalista da história.

Diferença e verdade
Michel Foucault sublinha que essa tem sido característica marcante da perspectiva filosófica da verdade no pensamento moderno ocidental. Ela supõe que em qualquer tempo e lugar há verdade e, portanto, cumprindo certas condições, pode ser conhecida facilmente. Se a verdade de um domínio determinado permanece escondida e torna-se difícil situá-la é porque os conhecimentos do sujeito são limitados em virtude da situação na qual se encontra. O fato é que a verdade está sempre aí. "Não há buraco negro na verdade."

O conhecimento como forma de poder
Tradicional versus moderno
Oral versos Escrito
Campo versus cidade
Economia de subsistência versus economia de produção

“O mito é um texto que se pode dividir em partes e revelar a experiência humana e a ordem social”
 (MUDIMBE, 2013, p. 180).

São articuladores privilegiados do debate sobre a África, dentro e fora do continente, com grande possibilidade de observação dos impasses do colonialismo, a partir do que se poderia considerar como o “centro” intelectual de onde emanam as interpretações “ocidentais” sobre a África.

A invenção de África

O que passa a estar em causa é o direito não apenas de narrar, mas o que narrar, e como narrar, por parte dos intelectuais africanos.
Ver: Valentim Yves Mudimbe “L’Odeur du pére” (1982)

Instrumentos teóricos que tornaram possível uma reavaliação da prática das ciências humanas e da filosofia, na África e fora dela, acompanhada de uma crítica sofisticada e vigorosa dos postulados etnocêntricos europeus e africanos, dos essencialismos e binarismos produzidos em toda parte.



W. Y. Mudimbe

As representações do que seria a “África”, construídas a partir de categorias eminentemente etnocêntricas, teriam interferido de tal modo na compreensão das realidades concretas do continente que acabaram por orientar a concepção e a ação não apenas de atores externos que lá estiveram, mas dos próprios africanos, que “leem, desafiam e reescrevem estes discursos como forma de explicar e definir a sua cultura, a sua história e a sua existência”.






O facto de estas formas consideradas ‘tradicionais’ não terem desaparecido deve ser óbvia ao atentarmos nas contradições actuais que existem por todo o continente, sobretudo entre os processos de produção e as relações sociais de produção, entre a organização do poder e da produção e, por outro lado, os discursos políticos. Com feito, as culturas africanas dispuseram e dispõem de saberes e conhecimentos próprios, os quais estão inscritos em, e dependentes de tradições. Todavia, creio que seria ilusório encetar em busca por tradições africanas originárias, puras e definitivamente fixas, mesmo no período pré-colonial. [...]

A realidade das miscigenações desafia a ideia de tradição enquanto essência pura, que testemunha o seu próprio ser originário... As tradições não são fixas: constituem, de facto, continuidades, mas também descontinuidades; são ‘processos’, ‘desenvolvimentos únicos que emanam de princípios básicos e estáticos’.  (MUDIMBE)

Os termos pós-colonialismo e pós-colonial têm sido empregados nas Ciências Sociais em duas acepções não totalmente excludentes, mas conceitualmente distintas. Na primeira, aplica-se ao período histórico posterior ao momento em que sociedades africanas e asiáticas foram colonizadas por europeus, da década de 1950 para cá. Na segunda, designa uma tendência de interpretação mais ou menos vinculada aos “estudos culturais” e aos “estudos subalternos”, integrada por autores de origem oriental (Edward Said; Homi Bhabha; Gayatri Spivak) ou afro-descendente (Paul Gilroy, Stuart Hall) que, não obstante as preferências temáticas,  metodológicas e analíticas, tem em comum o fato de questionarem a validade das elaborações discursivas, representações  e paradigmas.
 

Mulheres negras: moldando a teoria feminista, por bell hooks

  bell hooks Artigo completo:  (20) (PDF) bell hooks * Mulheres negras: moldando a teoria feminista Black women: shaping feminist theory | D...