
No primeiro capítulo de seu livro, Kwame Anthony Appiah analisa primordialmente a questão da invenção do pan-africanismo e do pan-negrismo como idealizadores de um pensamento geral para a África baseados nos conceitos de raça.
Os principais idealizadores do pan-africanismo eram afro-americanos, ou seja, negros dos EUA que com sua bagagem cultural e social passaram a pensar em um movimento único para os negros. Estes, tinham muito receio dos brancos como reflexo dos movimentos segregacionistas do Sul dos EUA, e com isso reafirmavam ainda mais sua ideologia em torno do conceito de raça.
Segundo Crummell, toda a raça negra estaria unida dentro de um destino comum. Os negros estariam então se unindo em torno de seu lar racial. A questão de raça estava sempre presente nas discussões, e as diferentes visões acerca deste tema serão analisados mais para a frente neste capítulo assim como no seguinte.
Os pensadores afro-americanos, encabeçados por Crummell, tinham um pensamento viciado nas idéias ocidentais, por isso afirmavam que a África precisaria ser domada do paganismo e do barbarismo para depois ser unida em torno da raça negra. Um dos pontos principais deste plano seria a união em torno de um idioma ocidental, visto que havia inúmeros idiomas autóctones e também o idioma inglês seria “propício para os ensinamentos do cristianismo (protestantismo)”. Assim, a língua do colonizador acabou sendo a centralizadora das diferentes etnias “bárbaras e pagãs”. Este ensinamento foi tentado por várias décadas pelas escolas coloniais, que falharam na sua pretensão - principalmente nas colônias francesas - de alienar os africanos de suas tradições e raízes culturais.
Para Appiah, o conceito de “raça” sempre foi um princípio organizador geral de qualquer pensamento em torno de um pan-africanismo. Segundo ele, tal conceito variou muito com o tempo e com as diferentes ideologias. Durante a Grécia Clássica, por exemplo, os fatores biológicos estavam aliados aos fatores culturais quando se pensava nas diferentes raças.
Segundo o autor, há diferenças entre racialismo, racismo extrínseco e racismo intrínseco. O racialismo seria baseado em “características hereditárias, possuídas por membros de nossa espécie, que nos permitem dividi-los num pequeno conjunto de raças, de tal modo que todos os membros dessas raças compartilham entre si certos traços e tendências que eles não têm em comum com membros de nenhuma outra raça”.
Já o racismo extrínseco seria fundamentado em “distinções morais entre os membros das diferentes raças”. Tais racistas acreditam “que a essência racial implica certas qualidades moralmente relevantes”. Quaquer prova de que tais diferenças não existam deveriam impedir o racismo extrínseco, se este fosse puramente extrínseco. Porém, nenhum racismo é unicamente extrínseco. Uma forma deste racismo seria a opressão.
Neste ponto entra a questão do racismo intrínseco, onde as “pessoas que estabelecem diferenças morais entre os membros das diferentes raças” acreditam “que cada raça tem um status moral diferente, independentemente das características partilhadas por seus membros”. Podemos pensar como exemplos deste tipo de racismo as solidariedades racial e nacional.
Ambos os racismos são ideológicos, mas há algumas diferenças entre eles. O “intrínseco declara que certo grupo é objetável, sejam quais forem seus traços”. Já o “extrínseco fundamenta suas aversões em alegações sobre características objetáveis”. Para Appiah, ambos os racismo deveriam ser esquecidos. O racismo intrínseco pode ser considerado como um erro moral enquanto o racismo extrínseco é baseado em falsas crenças.
Continuando sua contextualização histórica acerca do pan-africanismo, o autor afirma que após a Segunda Guerra Mundial, onde diversos negros lutaram dentro dos Exércitos metropolitanos, o movimento partiu para novas tendências. O novo pensamento passou a ser baseado no aproveitamento também das tradições africanas em conjunto com o avanço tecnológico ocidental.
Concluindo o capítulo, Kwame Anthony Appiah pensa que tais fundamentações para o pan-africanismo tem bases errôneas por se basearem no racismo (intrínseco) e por suporem que os africanos tem um passado comum. Este seria menor do que se supõe, visto que os passados pré-colonialismo são tão diferentes quanto as experiências coloniais.
Capítulo 2 - Ilusões de raça
A fundamentação teórica de Appiah em seu segundo capítulo está baseada no pensamento do autor W. E. B. Du Bois, aquele que segundo o autor foi quem fez a fundamentação teórica, intelectual e prática do pan-africanismo. Seguindo esta linha de pensamento, o problema do negro estaria fundamentado na busca por uma expressão para a sua raça, com uma nova e positiva mensagem à humanidade.
Na maior parte do capítulo, a discussão está centralizada na definição de raça. Como se daria esta definição? Appiah busca esta explicação em diversas áreas, tais como a localização territorial, as origens dos idiomas, a biologia, a ancestralidade, a identificação grupal e a concepção científica.
É nesta última que ele mais se aprofunda, discutindo as bases científicas que poderiam ser utilizadas pelos racistas como base teórica para os seus preconceitos. Porém, ele finaliza a discussão mostrando como mesmo dentro desta área a questão da raça é errônea, pois entre e mesmo dentro daquelas chamadas “raças”, há muita pouca variabilidade gênica se formos pensar no conjunto. Isto acontece porque, segundo esta teoria, as “raças” não estão fechadas devido aos grandes movimentos migratórios presentes em todos os movimentos históricos.
Por isso mesmo, o pensamento do racismo extrínseco foi refutado já que a fundamentação vai toda abaixo depois que a ciência provou que todas aquelas chamadas “raças” são iguais, não há porque se afirmar que características biológicas determinam que uma “raça” é menos ou mais apta ao trabalho, por exemplo. Seguindo este pensamento, Appiah compara os preconceitos sofridos pelos negros aos sofridos pelos judeus.
Sendo a base cultural e ideológica dos mentores do pensamento pan-africanismo a cultura e a ideologia norte-americana presente tanto em Crummell quanto em Du Bois, estes não percebem que a origem comum africana se resume somente à sua origem “racial”, ou como afirmou Appiah, "que importa que uma grande parcela de seus ancestrais tenha vivido nesse vasto continente, se não há nenhum laço mais sutil com eles, a não ser a ascendência biológica bruta - ou seja, sem mediação cultural - e a 'insígnia' que ela implica, dos cabelos e da cor?". Finalizando, o racismo de Du Bois seria intrínseco e não e extrínseco devido às origens.
Capítulo 3 - Pendendo para o Nativismo
A questão principal abordada por Appiah neste capítulo é o nacionalismo e a relação entre nação, literatura e raça.
É certo que hoje, com os avanços da biologia, não pode mais pensar em diferenças raciais como pensavam os colonizadores de outrora, mesmo assim, existe a noção, européia em primeira instância, de que as raças estão vinculadas às nações. Digo noção européia, porque mesmo nos imperialistas E.U.A., não se pode ter a idéia de uma raça americana, uma vez que os E.U.A., como toda a América, foram formados pela miscigenação de “raças” diferentes, como os europeus (e suas várias “raças”), os africanos negros e os próprios nativos de pele vermelha.
O capítulo praticamente se inicia com um lema de exaltação à raça saxônica, em especial aos saxões ingleses. Isso porque, na Inglaterra, a exaltação à raça saxônica dá bases à luta do indivíduo contra o domínio da coroa, pois remonta ao período que vai desde 410 até 1066, ou seja, desde quando, com a saída dos romanos, os saxões dominaram a Inglaterra (então chamada Bretanha, por ser a terra dos bretãos) até quando os normandos chefiados por Guilherme, o Conquistador a dominaram. Os ideólogos de tal exaltação dizem que antes da conquista normanda a Inglaterra (ou terra dos anglos, de anglo-saxões) vivia na igualdade e os direitos individuais eram respeitados, o que teria acabado com a conquista normanda. Sendo assim, depois da Restauração de 1660, a teoria da raça-nação surgiu como uma demonstração de força dos indivíduos contra a coroa.
Num país claramente mestiço (se é que esta expressão é correta, o que não cabe aqui discutir) como os E.U.A., mas de colonização inglesa e, sendo assim, anglo-saxônica, também havia aqueles que defendiam idéias semelhantes, como Thomas Jefferson, que apesar de levar em consideração os valores dos nativos americanos (inclusive incentivando a mistura racial entre eles e os brancos com o intuito de criar uma raça americana forte), que suspeitava que a raça braça saxônica fosse muito superior à raça negra, ou seja, aos povos de origem africana.
É interessante observar que o nacionalismo europeu do século XIX deu origem a países como Itália e Alemanha, além de lançar as bases para num futuro não tão distante, existirem movimentos de ultradireita racista, como o Fascismo e o Nazismo. Já nas regiões dominadas pelo imperialismo europeu, como a África e territórios da Ásia, a idéia de nacionalismo veio de fora e foi incutida nos habitantes pelos próprios dominadores. Entretanto, tal idéia não foi de todo ruim para os dominados, pois serem nacionalistas garantia a eles uma maneira eficaz de se protegerem da dominação material, ou seja, do país em si, pelos estrangeiros.
A importância do ensino colonial no processo de dominação foi enorme, pois além de impor aos dominados a cultura do dominador, ele também destruía a cultura dominada. Como forma de se proteger de tal dominação, os autores africanos fizeram com que a literatura africana se negasse a ser universal, sendo nacionalista, pois universal era o mesmo que dominada.
Por fim o autor diz que a divisão da África em regiões por troncos de língua semelhante, perpetrada por ingleses e belgas, não respeitava as diferenças tribais, pois para os europeus língua é raça e raça é nação.
Capítulo 4 - O mito de um mundo africano
Neste capítulo, Appiah discute principalmente a idéia de uma identidade africana, ele diz que apesar de ela estar em formação, já se pode ver traços de sua existência. Um exemplo utilizado pelo autor para ilustrar a idéia de uma identidade africana é o de que se um negro estiver em Londres e alguém lhe perguntar, mesmo que pejorativamente, se ele é africano, esse alguém terá relacionado o fato de o indivíduo ser negro com a possibilidade de ele ser da África, sendo assim, isto é uma forma de identidade africana.
Entretanto, é muito triste que um continente tenha que ter com sua identidade o racismo e a discriminação, porém essa identidade a África já conseguiu, resta a ela conseguir outras melhores, o que é papel dos autores africanos forjar. A grande diferença entre os escritores euro-americanos e os africanos é que os primeiros têm-se preocupado com a busca do eu, enquanto que os últimos estão engajados na busca, ou construção, de uma cultura.
Appiah contrapõe dois outros autores africanos (Soyinka e Achebe), para dizer que o primeiro não concorda com a tese do segundo de que o próprio fato de a África ter uma identidade, bem como a identidade africana, é produto de um olhar europeu.
No final do capítulo o autor nos diz que o principal desafio dos escritores africanos na construção de uma cultura mais elitista é a substituição do “nós” da cultura oral pelo “eu” de seus livros.
Capítulo 5 - A etnofilosofia e seus críticos
A proposta do autor neste capítulo é discutir o que é de fato a filosofia africana, ou mesmo se ela existe, pois como ele mesmo diz, não é porque algo não é filosófico que este algo não é bom, um livro de culinária pode ser muito bom sem nem por isso fazer parte da filosofia da culinária, o que ele chama de um nome muito pomposo para uma coisa tão simples. Appiah, no entanto, diz que não vai discutir a questão à qual se propõe por meio da definição, pois acha o método muito pouco produtivo.
Naturalmente, pelo simples fato de o capítulo tratar de uma verdadeira metalinguagem, existem grandes digressões nas quais o autor divaga acerca de seu tema, em alguns momentos ele afirma que toda cultura tem uma filosofia, mas essa filosofia precisa ser trabalhada por um filósofo para se tornar acadêmica, sendo assim, sempre há trabalho para um filósofo. O autor diz que os filósofos africanos são influenciados pela escola e, conseqüentemente, pelas teorias européias. Há filósofos africanos cuja ligação com a África não é maior do que o fato de o continente ser sua terra natal, o que tem certo sentido se pensarmos que a África geograficamente é um continente, no entanto, existem questões que transcendem a geografia africana e que devem ser discutidas dentro da filosofia do continente.
A criação de uma filosofia negra em contraposição à filosofia européia, ou seja, branca, como ressalta o autor, não é muito interessante, pois tal filosofia se basearia em pressupostos de sua antitética filosofia: a filosofia branca.
Dentro de tais discussões, o autor roda dentro do capítulo, sendo que no final diz que voltará a falar sobre o assunto nos capítulos finais do livro.
Capítulo 6 – Velhos Deuses, Novos Mundos.
Kwane Anthony Appiah nos começa falando sobre modernidade, mas ao mesmo tempo fala que para pensar em modernidade é necessário que se pense em sua palavra antagônica, que seria "tradicional", e para isso ele irá pegar a suposta cultura tradicional africana, pegando um exemplo de uma tribo Achanti, mas especificamente de um ritual dos Achanti, no qual um indivíduo da tribo convoca(ou pede um favor) a um espírito oferecendo a ele ouro em pó e outras coisas, depois se faz sacrifícios de animais. Após a descrição do ato o autor colocará várias questões a serem estudadas e analisadas sobre este caso e também sobre a África em geral, perguntando coisas como "Por que aquele ritual estava sendo feito" sendo que a resposta era porque os ancestrais assim o faziam, como "para que o ouro em pó" respondendo que é uma questão de respeito ao espírito, como se estivesse dando algo valioso em troca de um favor, ou seja, o ouro é um símbolo de respeito ao espírito, "trata-se o espírito como se trataria um ser humano a quem se respeitasse" (p. 160).
A partir daí Appiah começa a nos mostrar a questão do simbolismo, dizendo que este é característico das cerimonias de todas as culturas, dizendo que "o ritual implica o simbolismo" (p. 163). Depois, o autor ira discutir a questão das crenças, sendo elas falsas ou não, e fala que as crenças são aprendidas pelos homens quando estes crescem, de onde quer que este homem seja. A partir dessa questão das crenças o autor nos mostra que as culturas tradicionais, como o exemplo dos Achanti não são irracionais pois nelas é possível que se faça uma defesa razoável de suas crenças, sendo elas verdadeiras ou não, pois, de certa forma, os espíritos "interferem" na vida dessas pessoas, causando melhoras de saúde por exemplo.
Depois, o autor coloca teorias diversas, como de Horton que nos diz que as religiões tradicionais são como as teorias nas ciências naturais, ao qual Appiah contesta, pois "a organização social da investigação(...) é totalmente diferente nas culturas tradicionais e modernas" (p. 174). Após isso, o autor discutirá ciência e sociedades tradicionais, crenças, etc, a partir de várias teorias.
O autor irá nos mostrar que a grande diferença da cultura tradicional da África e a cultura do mundo industrializado é que a cultura tradicional é predominantemente iletrada, fazendo com que não seja possível comparar as teorias dos ancestrais, diferente do que acontece na cultura ocidental, e "a transmissão oral dificulta o reconhecimento de discrepâncias" (p. 185). Na transmissão oral, tudo o que é transmitido é de memória e é necessário partilhar com aquele que fal um conhecimento dos pressupostos que lhe servem de base. Para Appiah é necessário que haja uma alfabetização, pois esta foi crucial para o desenvolvimento da modernidade.
No final do capítulo o autor nos diz que é necessário que os africanos se compreendam uns aos outros, e que se compreendam como racionais, e que para resolverem os seus problemas é necessário que os encarem como problemas humanos, e não como problemas africanos.
Capítulo 7 – O pós colonial e o pós moderno
Appiah nos começa falando sobre uma exposição de arte africana onde foram convidadas dez pessoas para selecionar as obras, e entre elas estava um homem da tribo balue, e para este só lhe foram dadas obras balues pois ele iria rejeitar as outras obras de outras tribos africanas, pois iria julgar com os seus conceitos. O autor contesta, primeiramente provando que um balue conhece outras culturas africanas e que aqueles não africanos também julgaram as imagens com os seus próprios conceitos.
O autor começa a tratar da questão da arte africana como mercadoria, fazendo parte de um processo de mercadologização, em que a arte é produzida em um contexto pós-moderno que é voltado para a sociedade de consumo. A partir daí, o autor começa a discutir o pós-modernismo de várias maneiras, como na filosofia, na arquitetura, mas principalmente na arte e na literatura, principalmente a africana. Appiah também ira discutir a racionalização de Webber, e diz que o pós-modernismo rejeita essa razão, mas que faz parte do processo de mercadologização.
Ele nos mostra que uma parte da sociedade africana se tornou uma sociedade consumista com os moldes ocidentais e que fazem parte desse processo de mercadologização, isso na era pós-colonialismo, e essa parte é a burguesia africana, ou seja, a elite que comanda as nações. Para o autor a África está sendo muito influenciada pela cultura ocidental dentro de sua cultura tradicional, principalmente a partir do momento em que a arte vira mercadoria. Appiah também irá nos mostrar vários exemplos de romances literários africanos no pós-colonialismo e como esses rejeitam a idéia anterior, assim como o pós- modernismo. Ele irá finalizar o 7º capítulo nos mostrando que nas culturas africanas existem aqueles que se recusam a ver-se como o Outro, e que as literaturas populares, a poesia, a música, a dança, e outras coisas todas vicejam na África. Para ele as sociedades africanas estão tendo uma modernização mas mantendo os seus aspectos culturais.
Capítulo 8 - Estados Alterados
O que o autor aqui propõe é a análise da formação dos Estados Africanos contemporâneos baseado na compreensão do passado pré-colonial, do colonialismo e da transição de poder da metrópole para os recém formados Estados independentes.
O autor começa em um retroceder pelo tempo, diagnosticando a formação de novas identidades na junção da colonização com os costumes tradicionais de seu povo, a luta pela independência (fato este que não é amplamente abordado) dos Estados Africanos e a conseqüência destes processos. Em sua análise trabalha, com conceitos de Estado e de sua permanência junto as tradições de vários povos. As tradições são legitimadas pelas sociedades e portanto mais próximas as mesmas, permitem que (no caso específico ele se refere da etnia de seu pai, Achanti) estas sociedades possam exercer algum tipo de autonomia com relação ao Estado, sociedades estas unidas por convicções éticas, laços de afeição e mundos compartilhados de significações. Já o Estado, como herança colonial, é legitimado através da coerção (citando exemplos como o os impostos e o alistamento obrigatório e o direito criminal que não é optativo) estigmatizado na repressão no aspecto amplo de exploração.
No caso de Gana, e note-se que o autor usa Gana para auxiliar na compreensão do que ocorreu em grande parte da África, o Estado que surge após a independência, possui os mesmos vícios e conjunturas do Estado colonial, em suma, perpetuando muitos aspectos do sistema econômico colonial, alem de serem suplantadas e ignoradas as diferenças étnicas, muitas vezes encobertas pelos discursos nacionalistas no que diz respeito a junção dos povos no processo de independência. Quais as consequências da perpetuação de aspectos deste Estado colonial e a crença em uma igualdade étnica que de certa forma não existia?
O Estado colonial visava a manutenção do poder, através da coerção e, ainda mais, o “retorno” de capitais investidos na colônia, principalmente sob a forma de impostos. Restringia o acesso a educação por parte dos nativos e tratava-se de um estado de exclusão social não participativo (neste ponto há que se abrir um precedente para as distinções entre as colonizações francesas e inglesas que ele mesmo diferencia) . Um estado independente que nascia para a gerar condições para o desenvolvimento e criação de infra estrutura não poderia jamais apoiar-se nas bases de um estado que visava ganhos para a metrópole e a manutenção da ordem vigente. Ao herdarem o aparelho de Estado colonial, os governantes pós-coloniais herdaram as rédeas do poder, poucos repararam, no princípio, que elas não estavam ligadas a um bocal de freio (p. 230).
Em muitos casos, o que se observa depois da independência, são mecanismos que favorecem determinadas elites dentro do Estado, e a formação destes Estados sob bases frágeis, o que explica os vários golpes de estado sucessivos em muitos países recém independentes, que acabavam por comprometer a formação de estruturas que viabilizassem o desenvolvimento dos mesmos.
Quanto as etnias, como próprio Appiah cita: “ Uma vez passado o momento de coesão contra os britânicos, o registro simbólico da união nacional confrontou-se com a realidade de nossas diferenças” (p. 227) e mais, no caso de Gana “o entusiasmo real que um dia existira, ainda que limitado, tinha-se evaporado; as complicações começaram a reter nossas atenções” (p. 225). O que o autor aqui demonstra, é a fragilidade com que se da a formação destas “unidades nacionais” que logo depois da euforia, frente as complicações geradas pela administração do Estado, o que tende a se romper é exatamente o precário elo entre estes povos. Há que se levar em conta ainda que os Estados geográficos europeus na África ignoraram qualquer diferença entre povos, adequando os territórios conforme sua vontade e lógica de exploração;”...Mas na independência a mesma Europa deixou a África com Estados a procura de nações...” (p. 227).
Mas a visão de Appiah que em uma primeira impressão possa parecer pessimista, traz a compreensão de possibilidades que possam proporcionar a alguns Estados africanos o crescimento e a criação de estruturas e mecanismos que possam alavancar o desenvolvimento e principalmente, gerir um estado de participação dos povos na gestão do Estado como um todo. Mas como ?
O autor cita o exemplo das organizações e associações não governamentais que gradualmente passaram a exercer papéis anteriormente de função do Estado, como administração de creches, instituições de ensino e na área de saúde. O funcionamento destas organizações, auxiliado em sua maioria por naturais da região, de certa forma, torna-se um aprendizado no exercício da organização e no que diz respeito a mobilização das pessoas “ eles dão às pessoas a oportunidade de exercer modos participativos de organização da vida comunitária, proporcionam uma experiência de autonomia” (p. 239). Desperta a consciência dos envolvidos para compreensão do que é uma gestão participativa. Isto pode, futuramente (e acredito que pela época em que este livro foi escrito, esta idéia já tenha dado seus frutos) levar a uma reivindicação de participação maciça dos povos na administração dos Estados. Um Estado menos restrito a participação de sua população, baseado em direitos preteridos pela mesma.
Para Appiah, a democracia não deve ser baseada apenas em questão de parlamentos e eleições, mas no desenvolvimento de mecanismos pelos quais os governantes possam ser cerceados pelos governados.
Appiah encerra o capítulo de uma forma que deixe o leitor a imaginar que nada está pronto e que tudo se assemelha a uma fase de transição á qual nem ele mesmo consegue prever o que de certo irá ocorrer, mas nos deixa sub entendido de que, se alguns aspectos forem mantidos e não houver um pensamento racional comum que possibilite a superação das estruturas coloniais e as diferenças étnicas que impeça a orientação de vários povos como um todo e não fragmentado, aquilo que se pode esperar como um Estado participativo de uma nação unificada torna-se inviável sob muitos aspectos e principalmente, a África se tornando um fragmentado território de muitas “identidades” e pouco conjunto, coesão, comum.
Capítulo 9 – Identidades Africanas.
Toda identidade humana é construída e histórica.
Appiah.
Este capítulo é o que se pode chamar de o “Clímax” do livro, pois nele o autor reúne seus pensamentos expostos na obra para dar sentido a sua principal afirmativa de que existe um perigo real e latente ao se formar as identidades baseadas na questão raça, pois a mesma “pressupõem falsidades demais para que as ignoremos” (p. 243) e adverte do perigo de que tais concepções podem proporcionar muito mais desajustes do que soluções ou alternativas.
Appiah traça um histórico cultural do continente africano ressaltando a idéia de que a influência européia no continente anteriormente ao século XIX que proporcionasse uma mudança nos padrões culturais dos povos foi quase ínfima. Esta somente se dá por volta do final do século XIX e principalmente no período pós Primeira Guerra. Afirma que não há como traçar generalizações culturais para o continente devido a diversidade, mas que haveria alguns aspectos comuns como o campesinato sem senhor, porem sem formar uma identidade ao continente.
Para o autor, a raça não apenas forma conjuntos, mas exclui no sentido de que parte do pressuposto do que é diferente, daquilo que não é, e certamente não poderá ser igual. Ainda mais, para Appiah, muitas destas construções de identidades são recentes e surgem como meios de se criar alianças ou de sustentar objetivos que visem o favorecimento de alguns grupos em detrimentos de outros. Raça pode ser distorcida, pode ocultar sob uma máscara de igualdade as reais tensões existentes dentro de um mesmo grupo ou uma mesma raça; não corresponde ao que é verossímil, mas aquilo que, baseado em alguns argumentos que para ele, em sua grande maioria, são refutáveis, se tornam reflexos de anseios presentes e que recorrem ao passado ou ao biológico para a busca de uma identidade que talvez nem sequer realmente tivesse ocorrido.
Contra as tradições ?
Não, porem reconhece que estas devem estar fundamentadas em um conceito de conjunto e que não se pode atribuir valores ou argumentar a favor ou contra “identidades”, porem, por se tratar de algo relativo, deve se considerar uma a uma, caso a caso.
A questão cerne evidente é a “raça” em sua mais cruel face; no aspecto que podemos presenciar através dos conflitos etno-regionais que assolam a África, que dizimam povos e que a tiram do rumo do desenvolvimento, ou seja, Racismo.
Conclusão
Na casa de meu pai é a síntese da gênese Africana. É a metáfora construtora dos ideais do autor. Uma África que apoiada sob alguns falsos valores, detêm seu real desenvolvimento, sendo a heterogeneidade distorcida sob valores que tentem em uma grande parte, apenas responder a objetivos particulares.
Leonardo Boff, em um de seus livros, traz a metáfora da águia que criada entre galinhas, agia como tal, não despertando em si todo o real potencial que lhe cabia. Não há metáfora que melhor possa traduzir, em nossa opinião, o que realmente ocorre com o continente africano e seus povos. A ruptura na evolução natural dos povos; a aculturação forçada e a herança de estados que suplantaram qualquer fronteira geográfica anteriormente existente, legaram a estes povos sua realidade em “desconstrução”. Desconstrução da soberania, do presente.
Fonte: http://www.klepsidra.net/klepsidra16/nacasa.htm
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