Edward White, Janela para o Oriente, Lisboa: Caminho,
1999
(Excertos)
Tenho uma janela amarela virada
para Oriente. Docemente e sem assombro. Todos os dias me sento defronte dela
para a olhar. E o vento que a bate faz-me um incêndio para escrever, desce
devagar a rampa por onde a vou saltar. Minha e sem fim esta natureza fresca dos
seus vidros, a luz que por ela é uma magia tão puríssima. Tenho a janela num
quarto que amo, unido como o sangue verde do vale que dela eu vejo, dos livros
fechados em seus destinos, dos jornais aos montes e sem notícias. O ar deste
quarto está de sorrisos e de surpresas, de desgostos que irão viver, cheio de
lugares que ainda não sou. Oiço músicas dentro dele, caladas e brancas de
repente, oiço cores incessantes e um poeta que pressinto esteja a morrer. Leio
as palavras que o são. Frias. Concretas. Óbvias e desertas. E a morte é um
murmúrio por detrás de tudo o que gritam sem dizer. Um sibilar envenenado e
arrepiante, um voar rasante e precipitante. A morte desenha-lhe as mãos que
daqui posso ver a tremerem. E, por isso, fica o quarto mais cinzento, mais
frio, severo como a pedra num deus. (pp.13-14)
[…]
Levanto-me.
Vou supor-me a resistir.
Lentamente até fugir.
Descubro corridas as cortinas das
janelas deste quarto virado para Oriente. Afasto-as, e os olhos navegam pelos
telhados das casas lá em baixo. São inúmeras e quadradas. Unidas como se
quisessem cuidados umas das outras. Talvez por dentro nem transpirem assim
tanta solidariedade. Mas eu penso nas presenças que as tornam vivas e humanas,
nas conversas que esconderão, nas crianças debruçadas para o beijo ou para a
música, as refeições acesas pelos fogões. Afinal, hoje é domingo e toda a gente
é um horizonte de si. Estão felizes com certeza, e se não estão tentam, por
decerto terem pouco do que rir noutros dias. O domingo é quase tétrico de nos vermos
tão nitidamente. É, no fundo, como a morte onde se prevê aquele
poeta. (pp.15-16)
[…]
Ai, meu grande e belo Médio
Oriente de onde vejo África das suas janelas e oiço rugir uma fera nas savanas
de Moçambique. Ali que é para onde devo ir.
Definitivamente regressar.
Nada nos é belo se for
demasiadamente claro. Nada interessará.
Portanto, arrumo, aqui, as
ferramentas deste trabalho, desta paixão que tenho pelas visões que encerro,
pelo motor que as leva à minuciosa observação dos espaços. E ainda assim sinto
que me pesa tanto inconhecimento, tanta denotada fragilidade. Eu nada sabia
desta remota possibilidade, deste lírico fervor que guardo pela imaginação.
Gostaria imenso de falar-me disto, destas alegrias pacientes de que sou um
exímio fazedor. Como sucedo que olho para o que a pensar direi melhor.
(pp.77-78)
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