A peça de teatro está em cena no teatro São Luiz até ao próximo dia 15 de Outubro.
Tal como o título indicia, trata-se de uma reflexão sobre a
condição de negro no Ocidente, enredado numa teia de relações sociais
profundamente racistas, que caracterizavam a sociedade Ocidental.
A violência da peça, juntamente com as posições cívicas de Genet (um apoiante dos Black Panthers), ajudaram à polémica numa época em que toda a questão do racismo se encontrava ainda presente com bastante destaque na agenda socio-política.
A violência da peça, juntamente com as posições cívicas de Genet (um apoiante dos Black Panthers), ajudaram à polémica numa época em que toda a questão do racismo se encontrava ainda presente com bastante destaque na agenda socio-política.
O condenado que
recusa a história e assume o mito exibe impudente suas chagas, o vagabundo
oficiante transubstancia a dor e a perversão. Pecado tão mais horrendo, pois
sempre é inversão do dogma: sacraliza o ímpio e goza através do que é recusa
social. Refina até o limite, com um racionalismo irretorquível, a face malévola
refletida no espelho da reta via burguesa. Não é um simples sofista a exercitar
habilidades discursivas para uma platéia de doutos, pois Genet não tem pares. A
solidão fundamental é um estigma em sua própria carne. Jean Genet é um criador
de palavras eficazes, no sentido mais grave do termo. Assassinos oficiam
liturgias do crime, o carrasco excita o escritor onanista, o lirismo se produz
por intermédio da realização poética do reverso da consciência burguesa, mas, e
de novo, é a reafirmação do inescrutável que vem à luz, e que nela se incrusta.
O verbo se faz carne, mas herética. A palavra hábil é litania, e torna a
corrupção o canto sacramental na catedral dos marginais de Genet. Não
gostaríamos de ouvir essa harmonia da perversidade que não é caos, pois o caos
é ininteligível. O ladrão nos atira nas faces tranqüilas que a liberdade é
inescapável. “Liberdade é maldição possível, homens honestos”, diz-nos
Genet: o silogismo assustador é que a opção pelo crime, pelo que há de obscuro
e soturno em nós, realiza-se ao provarmos o fruto acerbo por meio do qual essa
literatura expõe a neutralidade essencial do conceito de liberdade que agora
nos assedia e se clarifica, ofertado pela voz agônica do excluído: está a nos
espreitar sob as gravatas e os horários, repousa na paz dos lares, oculta-se
sob a face da presumida inocência.
Jean Genet é um
mistério. Jean Genet nos apavora.
(Carlos Otolan Miranda, Revista Cult)
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